marcelocastelli fibria"Precisamos investir nas médias empresas”, afirma Marcelo Castelli, presidente da Fibria

Para Marcelo Castelli, presidente da Fibria, o caminho para melhorar a economia é fortalecer a indústria interna – a começar pelas companhias de menor porte
Presidente da Fibria, maior produtora do mundo de celulose de eucalipto, seu principal negócio é exportar. O dólar lá em cima significa, portanto, resultados excelentes. Há outro Marcelo Castelli, porém, que não acredita que os fins justifiquem os meios. “As razões para a alta do câmbio estão erradas”, diz ele. “O país está perdendo. No longo prazo, a situação não é sustentável.” Além da crise político-econômica, outros temas pouco triviais têm deixado a agenda do executivo mais emocionante do que o usual. Há rumores de uma possível fusão entre a Fibria e sua principal concorrente, a Suzano. Juntas, as duas detêm quase 30% do mercado global de produção de celulose de eucalipto, segundo estimativas da Risi, uma consultoria especializada em produtos florestais. Embora não sinalize nem quando nem de que forma aconteceria essa união, Castelli é a favor da consolidação do setor como forma de fortalecer a indústria nacional – o que ajudaria o país a reconstruir sua economia.

Quais as perspectivas para a economia em 2016?
É preciso implementar uma série de medidas duras para manobrar o barco. Apesar da gravidade da crise, acredito que o Brasil é superior a tudo isso. O país tem uma capacidade de resiliência grande. Vamos sair fortalecidos. O que estamos vivendo é um ajuste do nosso modelo econômico, da forma de governo e de sua atuação. O Brasil evoluiu muito. Subiu a renda, inseriu uma nova classe média na economia. Não é algo para se jogar fora. É um país com uma economia representativa no cenário mundial. Mas agora tem de fazer a lição de casa. Tem de crescer com uma visão de longo prazo. O boom das commodities acabou. É hora de nos perguntarmos: o que vamos fazer? Qual o Brasil que queremos para competir globalmente?

Qual é o Brasil que o senhor quer?
Antes de tudo, precisamos elaborar uma agenda mínima e possível para começarmos a sair da crise. Os piores elementos atualmente são a desconfiança e o risco que o país enfrenta. Precisamos de uma estratégia para combater esses problemas no curto prazo. Simultaneamente, é preciso pensar no longo prazo. O Brasil tem a possibilidade de ser um grande exportador. Mas abandonamos a indústria. Migramos para um serviço de baixo valor agregado, ligado ao consumo interno. E esse modelo estava lastreado em políticas de governo. Nossa vocação é continuar sendo um grande celeiro do mundo, mas explorando nichos com valor agregado. Também não podemos esquecer da indústria. O país deveria estar mais próximo do que faz a Alemanha: ter um setor industrial forte de pequenas e médias empresas.

Como se faz isso?
As grandes empresas, como a Fibria, são importantes como âncora de várias companhias médias, porque podem fortalecer a indústria interna. Para que importar um serviço se podemos contratar localmente, contribuindo para a economia nacional? Do que as médias empresas precisam? Acima de tudo, de tecnologia adequada. Então, é preciso focar em qualificação de mão de obra de acordo com essa necessidade do mercado. O que vemos hoje é muita gente se formando em cursos totalmente diferentes das demandas reais do mercado. A Fibria tem controle de gestão de floresta, mas não planta 100% da área. O que a empresa faz é passar tecnologia, oferecer financiamento para outras empresas, médias, prestarem serviço. Estamos ajudando a fomentar a indústria local. Em um primeiro momento, as médias empresas precisam desenvolver todos os tipos de serviço para atender as grandes companhias. Depois, é possível direcionar as demandas de forma mais específica, de acordo com as necessidades das gigantes. Nessa etapa, as grandes empresas devem compartilhar o investimento na capacitação das médias.

O câmbio em alta beneficia a Fibria. O que o Marcelo Castelli, presidente, pensa sobre isso é diferente do que pensa o Castelli, cidadão?
Enquanto representante de uma empresa, torço para o dólar ficar alto. Mas não estou completamente satisfeito, porque as razões para essa situação acontecer estão erradas. O país está perdendo. A alta do dólar só beneficia a exportação, mas não contribui para o fortalecimento da indústria nacional. No longo prazo, não é sustentável. Até porque, junto com a receita, nossos custos estão aumentando. E é muito difícil ter disciplina para se manter bem. Quando o mercado doméstico está pujante, muitas empresas ficam tranquilas. Mas será que continuam a fazer o dever de casa? Na maioria das vezes, não. É preciso controlar os custos e a competitividade. Sempre.

Há rumores de que haverá uma consolidação entre a Fibria e a Suzano. Isso vai acontecer?
A consolidação desse setor, que é muito fragmentado, é uma tendência. Basta observar a trajetória de nossa indústria. É só uma questão de tempo. Isso vai acontecer no Brasil, é inegável. Eu acredito que a concentração gera mais valor para todos. Melhora o serviço para o cliente, melhora a relação com fornecedores e melhora o resultado para os acionistas. É uma evolução cultural, seguindo a tendência das corporations americanas. Com esse movimento, criam-se empresas mais robustas, o que ajuda a economia. Mas não sei dizer quando isso irá acontecer, nem quem vai comprar quem. Racionalmente, todo mundo entende os benefícios da consolidação. Mas há os fatores emocionais, que representam o maior entrave no processo decisório. Eu não tenho mandato para falar sobre o tema nem sei o que se passa na cabeça dos acionistas.

O senhor sente que a indústria tem uma representação real na relação com os governos?
Sim. Me sinto representado por instituições como Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], CNI [Confederação Nacional da Indústria] e outras. Mas a efetividade dessa representação pode ser questionada. A agenda da indústria foi esquecida por um tempo no Brasil. A carga tributária é um dos principais problemas. Porém, como resolvê-lo? Se o governo não tem eficiência na gestão, não é possível reduzir a tributação. É um ciclo vicioso. Mas não estou jogando tudo nas costas do governo. Coloco parte nas costas do setor privado. Por exemplo, no mercado em que atuo, começo a sentir os impactos da escassez de água e de recursos. As empresas precisam se preparar com mais efetividade para essas mudanças climáticas.

O problema do Brasil passa por falta de liderança?
Sim. Há um gap de liderança no país. Mas é preciso considerar que temos uma cultura de jogar a solução dos problemas para um líder resolver. O Batman, o Robin, o Super-homem. Em uma sociedade mais evoluída, não haveria um líder único, mas, sim, lideranças que funcionassem de forma mais democrática, debatendo ideias e construindo soluções juntas. Nós, porém, ainda não estamos nesse estágio. Precisamos de líderes visíveis e onipresentes. E não temos essa figura no momento. Estamos órfãos.

Celulose Online - BRASIL - 22 junio 2016