fibria OGLOBOA Fibria saiu da lona

A maior produtora de celulose do mundo recupera-se de um dos maiores baques da história da indústria brasileira. Agora, só fala em crescer
Fábrica em Aracruz (ES) é a maior do mundo: a empresa tem outras duas unidades industriais, em Jacareí (SP) e Três Lagoas (MG) (Foto: Fabiano Accorsi)Fábrica em Aracruz (ES) é a maior do mundo: a empresa tem outras duas unidades industriais, em Jacareí (SP) e Três Lagoas (MG) Esta é a história da maior virada de página da indústria nacional tem como protagonista a Fibria. A empresa é a maior fabricante de celulose do mundo. Formou-se em 2009, a partir da fusão entre a Aracruz e a Votorantim Celulose e Papel (VCP). Nasceu gigante – e quebrada. Quebradíssima. Deu-se que, no instante em que estava sendo criada, a economia mundial pifou. A bolha imobiliária estourou nos Estados Unidos e a companhia (na verdade, a Aracruz) foi atingida em cheio pelos estilhaços da crise. Enrascou-se até a última linha do balanço com operações de derivativos de câmbio, chamados de “tóxicos”. Em semanas, perdeu US$ 2,13 bilhões. A situação estava tão feia que poucos acreditavam na reversão daquele colapso. Ocorreu o contrário, porém.

A Fibria se reinventou. Adotou um regime financeiro severo, estrangulou custos e investimentos, alterou o posicionamento estratégico do negócio, vendeu ativos e promoveu um processo alucinante de sinergia. Apertou o cinto, enfim, até o último botão. Reergueu-se. Este ano, conquistou o grau de investimento. “Voltamos ao jogo”, diz Marcelo Castelli, presidente da empresa. “Estamos prontos para novas consolidações ou para expandir, construindo uma nova linha de produção.” Dito assim, parece fácil. Mas...

É verdade que, havia tempos, os dias não eram normais na Fibria. Mas as últimas semanas de março de 2012 foram particularmente insólitas. Estava em curso naquele momento a “Operação Pantufas”. Na prática, isso significava que o conceito tradicional de jornada de trabalho havia sido suprimido na sede da empresa, em São Paulo, ainda que momentaneamente. As secretárias saíam às ruas madrugada adentro – por vezes, de pijamas e pantufas – para caçar a assinatura de integrantes da cúpula da companhia em documentos tidos como inadiáveis. O pessoal do financeiro virava noites preparando papéis e dedilhando cálculos. “Nós dizíamos que, naquele período, quem realmente ganhou dinheiro com a Fibria foram os deliveries de pizza”, diz o CEO, Marcelo Castelli.

Todos corriam contra o relógio. A empresa precisava organizar em tempo recorde uma oferta pública de ações. Queria captar R$ 1,25 bilhão. A urgência justificava-se por um motivo tão premente quanto doloroso: a água havia batido no nariz da companhia. Travava-se, ali, uma luta contra uma possível insolvência.
Marcelo Castelli, o CEO da Fibria, prefere as consolidações para crescer: “É o melhor para a geração de valor”, diz (Foto: Fabiano Accorsi)Marcelo Castelli, o CEO da Fibria, prefere as consolidações para crescer: “É o melhor para a geração de valor”, diz

A espada na cabeça
Desde que se formou, em meados de 2009, a Fibria herdara um passivo monumental, os US$ 2,13 bilhões, amealhados pela Aracruz com os derivativos de câmbio. Para piorar a situação, a dívida aumentou, por conta do processo de fusão com a VCP. Desde então, a empresa havia se comprometido com os credores (os bancos chegaram a somar 14) a cumprir metas financeiras severas.

A cada trimestre era obrigada a diminuir a relação entre a dívida líquida e o Ebitda (sigla em inglês para o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Parece um palavrão, mas esse é um indicador da alavancagem financeira. Mostra, na prática, o risco que a empresa oferece aos credores. Caso a Fibria descumprisse o acordo, os bancos partiriam para a ofensiva. A dívida aceleraria. “Não seria como um cavalo em fuga”, diz Guilherme Cavalcanti, o diretor financeiro e de relações com os investidores. “Seria como uma manada desgovernada.”

O problema era que os números não colaboravam. Entre setembro de 2009 e março de 2011, eles melhoraram de forma consistente (veja quadro à pág. 100). A partir daí, iniciaram uma trajetória ascendente, por conta da valorização da moeda americana. A maior parte da dívida da Fibria está em dólar. Quando ele sobe, os débitos são lançados ao alto em um piscar de olhos. Ou seja, naquele momento, a empresa mergulhou em uma tremenda arapuca do câmbio.

A meta para o primeiro trimestre de 2012 era de uma relação de 5,5 vezes entre dívida líquida e o Ebitda. Cavalcanti, um carioca com passagens pela Vale e Globopar, acabara de assumir o cargo de diretor financeiro e acreditava que fosse possível alcançar tal objetivo. “Antes de aceitar o convite, eu analisei os dados da empresa, mas só conhecia as informações públicas, um tanto defasadas”, diz. “Quando sentei na cadeira e vi o fluxo de caixa no trimestre... Percebi que a coisa iria estourar. Minha família estava no Rio e eu ficava no hotel depois do expediente pensando no que fazer.”
O fluxo de caixa da Fibria foi submetido a uma dieta de engorda. Somou R$ 1,3 bilhão em 2013 e R$ 800 milhões em 2012. Havia sido negativo em 2011

Todas as soluções pareciam insuficientes. Antecipações de recebíveis, operações com capital de giro, venda de ativos – nesse caso, nem sequer havia tempo hábil para tanto. Nada servia. Além do mais, para quem está com o caixa abaixo do nível do mar, os bancos não são as instituições mais receptivas a negociações. Veio, então, a ideia da oferta de ações. A Operação Pantufas foi oficialmente lançada.

Os executivos da Fibria sabiam que o mercado poderia titubear diante do alto endividamento da empresa. Mas havia a chance de seduzi-lo pelos fundamentos sólidos da companhia. Ela era, afinal, a maior fabricante de celulose do mundo. “O ativo, em si, era excelente”, diz Cavalcanti. Se o nó do endividamento fosse desatado, a marca voltaria a brilhar. Essa era a tese.

Deu certo. A Fibria esperava que os papéis fossem negociados a R$ 14. Nos road shows que antecederam a ida à bolsa, percebeu-se que esse valor poderia bater em R$ 15. No fim da oferta, atingiu R$ 15,83. Subiu um dia antes da precificação, sendo que o normal seria cair. Em vez de arrecadar R$ 1,25 bilhão, a companhia vendeu 91,2 milhões de novas ações, captando R$ 1,44 bilhão. “Conseguimos aproveitar a oportunidade”, diz Cavalcanti. “Se tivéssemos esperado um pouco mais não encontraríamos um mercado tão receptivo, porque o cenário global mudou depois da capitalização.” Qual o saldo da Operação Pantufas? Um recorde: pela rapidez e eficiência, o processo de preparação da oferta virou benchmark para o setor.

Um fluxo campeão
Acaptação na bolsa foi só um lance no jogo de xadrez da reestruturação financeira da Fibria, disputado em um tabuleiro instável. A economia mundial, desde 2008, só fez balançar. Embora ainda respirasse, a recuperação da empresa estava longe de ser garantida. A companhia vivia como um pequeno hamster. Corria sempre no mesmo ponto do círculo e cada vez mais exaurida. Com baixo fluxo de caixa, tomava dívida para financiar a operação. Com isso, aumentava a despesa financeira e o caixa piorava ainda mais. Essa era a rotina – e o hamster, cada vez mais sem fôlego. Nessas circunstâncias, com alto estresse e alavancagem, a Fibria chegou a pagar 7,5% de juros ao ano (no Bond Fibria 2020, por exemplo), sendo que o normal para aquele período seriam 4%. “Focamos todo o nosso esforço na geração de fluxo de caixa”, diz Cavalcanti. “Essa era a nossa única saída.” A tese era de que, com o caixa no azul e crescente, a indústria recomprasse dívidas, principalmente as mais caras, diminuindo a despesa financeira. Com isso, geraria mais caixa, pagaria mais dívidas. O hamster iria se livrar da rodinha.

Deu certo. De novo. Hoje, a relação dívida líquida e Ebitda chegou a 2,4 vezes, segundo dados divulgados no fim de abril, no balanço do primeiro trimestre deste ano. Estava em 7,2 vezes em 2009. O resultado prático dessa queda foi a conquista do grau de investimento, perdido para a crise global cinco anos atrás (pela Aracruz e VCP). Em meados de fevereiro, a agência de classificação de risco Fitch elevou a nota de crédito de longo prazo em moeda estrangeira de BB+ para BBB-. Essa classificação é uma peça essencial para uma companhia que sonha se expandir.
Em cinco anos de existência, a dificuldade nos forjou. Somos, hoje, uma empresa mais forte, resiliente, preparada para solavancos"
Marcelo Castelli, CEO

Ainda há, porém, muito trabalho a ser feito nesse campo. Para obter as vantagens plenas do grau de investimento, como melhores condições de crédito, a Fibria precisa convencer pelo menos mais uma das duas agências de risco, a Moody’s e a Standard & Poor’s (S&P). “Mas é inegável que um passo foi dado”, diz o consultor Alex Sciacio, do Banco Santander, especialista no setor de celulose. “A companhia teve o mérito de conseguir a classificação em um momento em que o país piorava.” Em março,  a S&P rebaixou a avaliação do Brasil. No caso da Fibria, a mesma agência revisou a perspectiva da nota, elevando-a em um patamar: de BB+estável para BB+positiva.
Vista para o mar: proximidade entre a fábrica e o porto é chave para a operação (Foto: Fabiano Accorsi)Vista para o mar: proximidade entre a fábrica e o porto é chave para a operação (Foto: Fabiano Accorsi)

Corte na carne
Areestruturação financeira da empresa não aconteceu sem cortes na carne. Alguns deles, como a venda de ativos, foram profundos. Antes do processo de fusão e do rombo dos derivativos, Aracruz e VCP tinham, somadas, 1,043 milhão de hectares de terra – quase dez vezes o tamanho do município de São Paulo. Hoje, tem 846 mil hectares.

A primeira unidade vendida foi a fábrica de Guaíba, nas imediações de Porto Alegre (RS). Ela compreendia uma indústria de celulose, com capacidade para 450 mil toneladas-ano, uma fábrica de papel e 212 mil hectares de terra. O negócio foi fechado com a chilena CMPC por US$ 1,43 bilhão, no fim de 2009.

A transação mais recente envolvendo terras ocorreu no início de 2014. Foram quase 210 mil hectares nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Bahia e Espírito Santo, vendidos para o Parkia Participações, por R$ 1,65 bilhão. O contrato prevê que a Fibria continuará como gestora das atividades florestais por 24 anos. Perderá, contudo, a propriedade dos terrenos. Tornou-se uma arrendatária. Ficará com 60% da madeira produzida. O restante vai para o Parkia. Nesse caso, houve ainda uma motivação adicional para o negócio.“Hoje, é melhor não ser o dono das terras”, diz Castelli. “O importante é ter a gestão, com contratos longos, com segurança jurídica. As áreas essenciais são aquelas que ficam perto das indústrias e estão encaixadas na estrutura logística.”

Revista EPOCA .  O´GLOBO -  BRASIL -  28 julio 2014